Ela foi pioneira na terapia ocupacional, introduzindo este
método no Centro Psiquiátrico Pedro II do Rio de Janeiro e, segundo suas
próprias palavras, entrara na Psiquiatria "pela via de atalho da ocupação
terapêutica, método então considerado pouco importante para os padrões
oficiais".
Nise era alagoana e fez seus estudos médicos na Faculdade
de Medicina da Bahia (1921-1926) e foi a única mulher numa turma de 157 alunos.
Em 1933 entrou para o serviço público, através de concurso, trabalhando no
Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental, na Praia Vermelha,
pertencente da antiga Divisão de Saúde Mental.
O envolvimento de Nise com o marxismo valeu-lhe 15 meses de
reclusão no presídio da Frei Caneca, no período de 1936-1934, local onde
conheceu Graciliano Ramos, que a descreve no seu famoso livro "Memórias do
Cárcere".
Livre da prisão vagou na semiclandestinidade ao lado do
marido sanitarista Mario Magalhães devido ao risco de ser novamente presa. Em
17 de abril de 1944 foi reintegrada ao serviço público, sendo lotada no
Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no subúrbio do Rio de
Janeiro. Nise sentia-se inapta para exercer a tarefa de psiquiatra, pois, era
ferozmente contra os choques elétrico, cardiazólico e insulínico, as camisas de
força, o isolamento, a psicocirurgia, e outros métodos da época que considerava
extremamente brutais e recordavam-lhe as torturas do Estado Novo aplicada aos
dissidentes políticos. Sua postura humanista a faria ser uma pioneira das
idéias de Laing e Cooper (antipsiquiatria), Basaglia (psiquiatria democrática)
e Jones (comunidade terapêutica).
No mesmo ano que entrou no Hospital Pedro II. Nise
colaborou com o psiquiatra Fábio Sodré na introdução da TO naquela instituição.
Em 1946, sabendo que Nise havia colaborado na implantação da TO no HPII, o
então do diretor deste hospital, Paulo Elejalle, entusiasta desta forma de
reabilitação psiquiátrica, pediu a ela para criar a Seção de Terapêutica
Ocupacional e Reabilitação (STOR) do Centro Psiquiátrico Pedro II, neste mesmo
ano. Em 1954 o STOR foi regulamentado pelo próprio Paulo Elejalle através de
uma ordem de serviço, e oficializado em 9 de agosto de 1961 pelo decreto
presidencial no 51.169.
O STOR tinha alguns setores especializados, mas foi a
criação do atelier de pintura que o tornaria famoso. Em pouco tempo o atelier
do STOR ganhou notoriedade e a produção dos pacientes tornou-se um material
impressionante sobre as imagens da psicose. Para preservar e pesquisar o acervo
artístico dos psicóticos (que reúne cerca de 350 mil obras), Nise criaria o
internacionalmente famoso Museu de Imagens do Inconsciente em 1952, referência
internacional e objeto de estudos e visitas.
Nise introduziu ainda animais (gatos e cães) em seu serviço
como forma de atrair a afetividade dos psicóticos estabelecendo uma ponte com o
mundo real.
Nise estudou a TO sob todos os pontos de vista da época
(Kraepelin, Bleuler, Schneider, Simon, Freud, Jung) justificando-a sob todos os
ângulos, sem contudo subordinar-se intelectualmente a nenhuma destas escolas,
apesar de ter encontrado na psicologia profunda de Jung a base para explicar a
produção artística dos psicóticos no atelier de pintura do STOR, bem como a
possível linguagem para entender o processo da psicose. Em 1956 ela criou a
Casa das Palmeiras, uma instituição externa para atendimentos dos padecentes
mentais sem internação ou restrição de liberdade. Aí se iniciou um projeto nos
moldes em que Nise concebia a psiquiatria, e que foi precursor do atual
hospital-dia, lares abrigados e centros de convivência. A Casa das Palmeiras
foi reconhecida como de utilidade pública por decreto municipal em 1963.
O embasamento de sua experiência com a arte dos psicóticos,
e a descoberta da Psicologia Junguiana como o suporte teórico que necessitava
para compreender toda aquela a linguagem do inconsciente manifestada naquele
acervo, fez Nise evoluir naturalmente da TO para a Psicologia Profunda e
tornar-se a maior autoridade em Psicologia Junguiana no Brasil.
O encontro de Nise com a psicologia Junguiana não foi obra
do acaso. Ao iniciar a terapia ocupacional com psicóticos no CPPII, usando a
pintura, o desenho e a modelagem, logo ela percebeu algo singular: uma profusão
de figuras circulares ou "mandalas", e a recorrência de temas
mitológicas e religiosas, e logo percebeu que estava lidando com uma produção
viva do inconsciente daqueles pacientes. Foi em Jung que ela encontrou
semelhante observações e um sistema teórico que procura interpretar estes
achados.
Em 1954 travou contato com Jung através de cartas, onde
discutia as mandalas de seus psicóticos. Desde então, Jung impressionou-se com
o material do Museu de Imagens do Inconsciente e aconselhou Nise a estudar
mitologia e religiões comparadas para encontrar a fonte ou arquétipos de tudo
aquilo, que ele afirmava, como ela já percebera lendo suas obras, ser a
manifestação do inconsciente coletivo.
O primeiro encontro entre Nise e Jung se deu em 1957, no II
Congresso Internacional de Psiquiatria, em Zurique. Jung inaugurou a exposição
"Esquizofrenia em Imagens", do Museu de Imagens do Inconsciente, na
presença da Nise que fora para a Suíça com bolsa do CNPq. Esta mostra causou
uma enorme sensação e foi o reconhecimento mundial definitivo das idéias e do
trabalho de Nise da Silveira. Nise completou sua supervisão em psicanálise
Junguiana com Marie Louise von Franz, a assistente de Jung, viajando para
Zurique algumas vezes e também mediante troca de cartas com Franz, resultando
uma estreita e profícua amizade entre essas duas grandes mulheres.
Produção literária:
Detentora de numerosos títulos, comenda e medalhas de
mérito, Nise teve amplo reconhecimento em vida de sua obra e contribuição para
a psiquiatria. Publicou alguns artigos em jornais e revistas populares, e seus
artigos acadêmicos são poucos, todos em língua portuguesa e em revistas
nacionais.
Fonte: Museu de Psquiatria Brasileiro